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Repertório sociocultural e atualidades: Livro "Viva o povo brasileiro", de João Ubaldo Ribeiro

  • Ana Livia França
  • 20 de fev.
  • 5 min de leitura

   Se você estuda para Concursos Públicos e fará Provas Discursivas de temas gerais e atualidades, uma forma de agregar seu conhecimento de repertório sociocultural é ler as obras dos grandes autores da literatura brasileira. Muito sobre História do Brasil contextualiza as narrativas feitas por eles.  Então, encaixe esse tipo de leitura no seu tempo livre. Combinado?!

                 "Viva o povo brasileiro" de João Ubaldo Ribeiro é uma obra prima, tanto pelas qualidades de uma prosa narrativa com escrita primorosa e enxuta, quanto pelo enredo riquíssimo sobre as vidas das pessoas no território brasileiro.

                  O romance abrange praticamente todas as fases da história do Brasil, desde o século XII, ainda no Brasil Colônia, até o século XX, meados de 1970, quando vigia a Ditadura Militar. De uma forma muito peculiar, o autor centraliza a narrativa na Ilha de Itaparica, na Bahia, onde iniciou a dominação portuguesa sobre as terras brasileiras. A escolha da ilha baiana não foi aleatória, porque João Ubaldo nasceu lá, sendo que provavelmente ouviu por toda sua vida vários relatos de personagens indígenas, africanos e da elite local. Então, esse repertório cultural é genuíno para o autor baiano. Embora o livro percorra outros cenários (Salvador, Rio de Janeiro, Paraguai e São Paulo), o epicentro da história sempre retorna para Itaparica. Isso é genial! É como se a ilha parisse a essência da identidade do povo brasileiro. Itaparica é uma ilha do recôncavo baiano de 36 quilômetros de extensão, perto da antiga São Salvador da Bahia de Todos os Santos, sendo muito representativa histórica e antropologicamente, pois é berço da mistura de povos desse território que forma a essência do povo brasileiro do século VI até atualmente.

                    O autor contextualiza a narrativa em vários eventos da história do Brasil, desde a colonização pelos portugueses, a invasão de holandeses na Bahia, a Guerra do Paraguai, o fim da escravidão, a Independência do Brasil, a chegada dos imigrantes europeus, a Era Vargas e a Ditadura Militar. João Ubaldo tem uma escrita rica em repertório cultural, descrevendo hábitos e vivências de cada época com grande propriedade. Parece realmente um teletransporte no túnel do tempo. Sem dúvidas, é um livro épico, que mistura ficção e fatos históricos, no qual através dos personagens é possível visualizar cenas verossímeis que explicam as dinâmicas sociais, culturais, econômicas e religiosas nesses mais de trezentos anos de história.

                Assim, para tantos eventos, há diversos personagens, alguns com vínculos familiares geracionais, de núcleos de origem indígena, de africanos escravizados e seus descendentes, de europeus, principalmente portugueses. A narrativa é contagiante, atrativa e com toques de elementos sobrenaturais em vários episódios. Algo único e essencialmente brasileiro! Tem no livro os ritos e crenças das religiões de matriz africana praticadas pelos africanos escravizados e seus descendentes; o complexo de vira lata da elite nacional; a revelação do “jogo de cintura” do povo para sobrevivência; as sutis formas de resistência dos africanos escravizados e seus descendentes; as lutas do povo subjugado contra a força armada do Estado, como na Revolta de Canudos; as estratégias inescrupulosas da elite para conquistar honrarias e riqueza; a subalternização do povo como um paradigma estrutural na dinâmica social do Brasil, desde a colonização.

                    Percebe-se, portanto, que o contraste socioeconômico é uma crítica fortemente presente no romance, em vários contextos. Destaco as falas de resistência e revolta dos personagens Maria da Fé e Patrício Macário. Trata-se de um romance denso que demonstra o sangue, o suor e o sofrimento da população excluída, além dos bastidores da classe dominante, revelando como fizeram para controlar as narrativas convencionadas e as estratégias imorais de acumulação de capital e de ganho de títulos de heroísmo.

                   É claro que o autor sustenta uma proposta de contar a história dos excluídos e marginalizados, com foco na resistência contra opressão social, uma vez que existe o “Espírito do Homem” que agrega cada indivíduo da massa proletária numa força coletiva irresistível ao longo dos tempos. Indiscutivelmente, é um livro essencial para entender melhor a real história do Brasil e a identidade do povo brasileiro. São tantos trechos memoráveis, mas destaco os seguintes:

                   “Além disso, continuou o cego, a História feita por papéis deixa passar tudo aquilo que não se botou no papel e só se bota no papel o que interessa. Alguém que tenha o conhecimento da escrita pega de pena e tinteiro para botar no papel o que não lhe interessa? Alguém que roubou escreve que roubou, quem matou escreve que matou, quem deu falso testemunho confessa que foi mentiroso? Não confessa. Alguém escreve bem do inimigo? Não escreve. Então toda História dos papéis é pelo interesse de alguém.” (pg. 489)

             “ – Guerra Civil! Mas esta guerra não terminará aqui, com a derrota nesta batalha, esta guerra civil continuará pelos tempos afora, assumirá muitas caras e nunca deixará de assombrar vocês, até que cesse de existir um país que em vez de governantes tem donos, em vez de povo tem escravos, em vez de orgulho tem vergonha. O poder do povo existe, ele persistirá. Ele também tem seus heróis, que vocês não conhecem, os verdadeiros heróis, porque heróis da vida, enquanto os seus são heróis da morte. Aqui neste sertão, morrerão muitos desses heróis, mas o povo não morrerá, porque é impossível que o povo morra e é impossível que o povo seja sempre abafado. Vocês são traidores do seu povo e assim deveriam morrer. E vão morrer, porque ainda não será esta expedição que esmagará o povo de Canudos. O ódio que vocês têm ao povo terá que manifestar-se em toda a sua crueldade e, podem crer, o martírio desse povo poderá ser esquecido, poderá não ser entendido, poderá ser soterrado debaixo das mentiras que vocês inventam para o proveito próprio, mas esse martírio um dia mostrará que não foi em vão. Terão de matar um por um, destruir casa por casa, não deixar pedra sobre pedra. E mesmo assim não ganharão a guerra. Só o povo brasileiro ganhará a guerra. Viva o povo brasileiro! Viva nós!” (pgs. 535/536)


             Que aulas ricas sobre Brasil! “Viva o povo brasileiro” é um livro maravilhoso!


             Concurseiro, recomendo que leia sempre que possível obras como essa de João Ubaldo Ribeiro. Então, reforço três motivos essenciais para incluir o hábito da leitura ficcional na sua rotina: para adquirir conhecimento histórico de uma forma mais visceral (você aprende mais quando envolve seus sentimentos); para conhecer estilos de escrita diferentes (isso aumenta sua criatividade na escrita) e por puro prazer da leitura. Não seja aleatório e aproveite a literatura brasileira, pois ensina bastante sobre fatos históricos importantes aos leitores.


            Concurseiro, o que você aprende na ficção, envolvido e emocionado, você não esquece e vai levar para sua redação da Prova Discursiva!


              Siga essa dica!



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